terça-feira, 7 de abril de 2015

Dos Atos 

Encostado na porta. Ouvido colado no verniz fino e já ressecado. Via a luz por baixo do vão, entre o chão e o tapete e pensava na tranca. Não tinha chave no bolso. Só a vontade de girar a maçaneta e ela se abrir. Enfiou a mão em todos os bolsos da calça. Em vão. No vão das ideias, o risco maior era não arriscar girar a maçaneta. A frustração menor era tentar abrir. E se por ventura a porta estivesse destrancada, mas emperrada?
Trovoa lá fora. Ou cá dentro? Virou do avesso a roupa, bateu a poeira, estava tudo ao contrário do que queria. Doía na pele o ranço da noite escura. E pela fresta um clarão.
Até que raspou a ideia numa farpa: todas as noites partia. Partia de si. Partia do que acham dele. Quem era, afinal? Partia pra onde? E se partia, partia em que? Quantas partes cabiam naquele viver? E se partia, dividia? O coração de vez, numa partida só...
Coração, aguardo trégua, vá lá... Essa guerra se acotovela no meu peito. Abre caminho meio sem jeito. Aperto duro como beliscão. O que vai sobrar de mim? O que falta de Tu em mim, meu Deus, que me dá esta angústia?
Sem resposta. Vento seco no corredor sem fim.
Acotovela-se no meu peito um ser burro. Desses que empacam diante do invisível, resmungam e não seguem caminho que não seja voltar. Mas no fundo, guarda o sonho de chegar lá pra onde não se vai mais...
Silencio além da porta. HOuve a inspiração profunda de alguém do outro lado, que toma fôlego e diz baixo num único sopro:
Quanto vale um sonho? Quanto custa abandonar um sonho? Quanto vale não ter um sonho? Quanto custa viver um sonho?
Inspirou de novo:
Sempre que alguém sonha algo, nasce uma estrela no céu. Sempre que alguém abandona um sonho, apaga sua luz sobre a Terra.

Girou a maçaneta fria e empurrou firme. A porta estava aberta. Ele entrou!

Marcio Maffili, 07 de abril de 2015

Um comentário:

Unknown disse...

Seus textos sempre nos levam para um outro plano e estado vibracional. Precisa publicar mais Márcio!