Dos Atos
Encostado na porta. Ouvido colado no verniz fino e já ressecado. Via a
luz por baixo do vão, entre o chão e o tapete e pensava na tranca. Não tinha
chave no bolso. Só a vontade de girar a maçaneta e ela se abrir. Enfiou a mão em
todos os bolsos da calça. Em vão. No vão das ideias, o risco maior era não arriscar
girar a maçaneta. A frustração menor era tentar abrir. E se por ventura a porta
estivesse destrancada, mas emperrada?
Trovoa lá fora. Ou cá dentro? Virou do avesso a roupa, bateu a poeira,
estava tudo ao contrário do que queria. Doía na pele o ranço da noite escura. E
pela fresta um clarão.
Até que raspou a ideia numa farpa: todas as noites partia. Partia de si.
Partia do que acham dele. Quem era, afinal? Partia pra onde? E se partia,
partia em que? Quantas partes cabiam naquele viver? E se partia, dividia? O coração
de vez, numa partida só...
—
Coração, aguardo trégua, vá lá... Essa
guerra se acotovela no meu peito. Abre caminho meio sem jeito. Aperto duro como
beliscão. O que vai sobrar de mim? O que falta de Tu em mim, meu Deus, que me
dá esta angústia?
Sem resposta. Vento seco no corredor sem fim.
— Acotovela-se no meu peito um ser burro. Desses
que empacam diante do invisível, resmungam e não seguem caminho que não seja
voltar. Mas no fundo, guarda o sonho de chegar lá pra onde não se vai mais...
Silencio além da porta. HOuve a inspiração profunda de alguém do outro
lado, que toma fôlego e diz baixo num único sopro:
— Quanto vale um sonho? Quanto custa abandonar
um sonho? Quanto vale não ter um sonho? Quanto custa viver um sonho?
Inspirou de novo:
— Sempre que alguém sonha algo, nasce uma
estrela no céu. Sempre que alguém abandona um sonho, apaga sua luz sobre a
Terra.
Girou a maçaneta fria e empurrou firme. A porta estava aberta. Ele entrou!
Marcio Maffili, 07 de abril de 2015
Um comentário:
Seus textos sempre nos levam para um outro plano e estado vibracional. Precisa publicar mais Márcio!
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